terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Fé e a Autoridade da Igreja.


"Porque nele [no Evangelho] se revela a justiça de Deus, que se obtém pela fé e conduz à fé, como está escrito: O justo viverá pela fé" (Rm 1,17).
Introdução
Nós somos dotados de duas faculdades: inteligência e vontade. A primeira orienta-se a todos os raios da Verdade, a segunda orienta-se às atrações do Bem. No casamento entre estas duplas conjugações, o homem encontra a solução para os enigmas e a regra definitiva de sua atividade moral. Este casamento chama-se Fé.

A Fé como instrumento do desenvolvimento humano
A própria família é edificada pelo ato de Fé. Uma mãe diz a seu filho: sou uma mãe; o Pai diz: sou seu pai. No lar o menino cresce recebendo educação dos pais, ora isso mais nada é do que o exercício contínuo da Fé. Na instituição familiar entra em ação de um lado a autoridade dos pais e do outro a confiança dos filhos. Neste dois elementos que a natureza fez instintivos e complementares, constituem os pólos nos quais gravita a primeira formação do homem.
Depois vem a escola, e o exercício da Fé aí é mais uma vez continuado. Fé na Geografia, na Matemática, na História, na Língua Portuguesa. E mais uma vez somos formados entre a autoridade do Professor e o nosso livre assentimento.
Nas universidades não é diferente. Qual sábio não desenvolveu seu trabalho fundamentado em estudo de outros mestres? Ora, por um processo inevitável de economia intelectual, toma-se o atalho da fé evitando os longos percursos da demonstração. Com efeito, a verificação pessoal é sempre possível, entretanto, o motivo que determina a adesão da inteligência, na maioria dos casos, não é a prova da ciência, mas a aceitação fiduciária da ciência alheia, logo um ato de Fé.
Também é a Fé que dá dinamismo à vida social. Relações de serviços, comércio, trabalho, trânsito e etc. Nisto tudo encontramos o justo exercício entre a afirmação da Autoridade e o assentimento dos cidadãos. Cremos também no Jornal que nos instrui dos acontecimentos recentes, cremos no médico que nos dá o diagnóstico, no farmacêutico que nos receita um remédio, nas Agências que regulamentam os vários serviços, nos Institutos que garantem a qualidade de vários produtos. É inegável que “em todos os conhecimentos indispensáveis à orientação de nossa vida, o que adquirimos por observação individual e averiguação própria é uma insignificância em comparação do muito, do quase tudo, que, por via de autoridade, entra no patrimônio dos nossos havares intelectuais” (1, pg. 25).
É mister reconhecer que a Fé é um ato de assentimento intrínseco ao homem, que condiciona toda sua existência e eleva à perfeição suas manifestações intelectuais e sociais. Logo, verifica-se que a Fé não está restrita ao âmbito religioso, porém em nenhum outro domínio, encontra a Fé sua necessidade mais evidente e sua importância mais inestimável.
A Fé religiosa
O homem é dotado de natureza material (corpo) e espiritual (alma). Esta realidade se demonstra com o uso da razão e se verifica com a Ciência livre do dogmatismo racionalista (como é o caso da Parapsicologia, que identifica a pré-cognição como uma das faculdades da alma).
A correria cotidiana em estudar, trabalhar, cuidar de si e da família, normalmente impede que possamos nos dedicar à investigação pessoal das grandes questões filosóficas e espirituais. Como acontece em relação às realidades naturais, as realidades espirituais também dependem da autoridade e do assentimento de Fé para que o homem tome delas todo benefício.
Por isso, nos explica Pe. Leonel Franca, “E Deus não faltou a mais esta exigência de nossa natureza. Ele, que, fazendo do respeito à verdade um dever de consciência e dando-nos instintos e inclinações sociais, facilitou o exercício da fé exigido para o desenvolvimento e perfeição da nossa vida terrena, instituiu uma sociedade espiritual a quem confiou o patrimônio das verdades indispensáveis à nossa atividade moral e à expansão segura das nossas aspirações religiosas. Fez mais. Nas relações sociais e científicas, um erro não tem conseqüências irreparáveis; basta neste domínio a fé humana sujeita às tristes contingências da nossa falibilidade. A Vida religiosa, essa tem repercussões eternas. Com ela orientamo-nos para os destinos definitivos de além-túmulo; acertar nesta orientação é assegurar a posse da perfeição e da felicidade; errar culpadamente equivale a uma catástrofe irremediável” (Ibidem, pg. 27).
A Autoridade religiosa
A Fé por ser o instrumento necessário ao desenvolvimento do homem e vida religiosa por ser a prática que nos orienta ao nosso destino eterno, Deus em seu imenso amor por nós deu-nos a garantia de que a Autoridade pela qual recebemos as Verdades Relevadas de Sua Vontade, tivesse a garantia da infabilidade, já que “errar culpadamente [em matéria religiosa] equivale a uma catástrofe irremediável”.
Ora e que autoridade é essa? É o Magistério Divino, que teve início com os Patriarcas do AT, desenvolveu-se sob a autoridade de Moisés, dos Reis e Profetas e que culminou na Igreja. Toda autoridade que as Escrituras possuem, derivam desta autoridade e não o contrário. Por exemplo: a autoridade do Pentateuco para os judeus do AT derivou da autoridade de Moisés, e não o contrário, como se Moisés tivesse autoridade porque escreveu o Pentateuco, ou porque o Pentateuco lhe fazia referência.
Conforme já dissemos o ato de livre assentimento a um ensinamento dado, não por ser evidente a Verdade naquilo que se ensina, mas por causa da Autoridade que o transmite constitui ato de Fé. Em matéria religiosa constitui no livre assentimento devido às Verdades reveladas pela Igreja.
Magistral é a definição de Fé dada pela Doutrina Católica: “A Fé [...] é uma virtude sobrenatural, pela qual, prevenidos e auxiliados pela graça de Deus, cremos como verdadeiro o conteúdo da revelação, não em virtude de sua verdade intrínseca, vista pela luz natural da razão, mas por causa da autoridade de Deus que não pode enganar-se ou enganar-nos” (2).
Isso também pode ser constatado na Escritura. Jesus disse: “Ide pelo mundo; pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). É certo que crer é dar assentimento a uma revelação, não por sua veracidade ser evidente, mas pela autoridade de quem a revela (cf. Mt 28,14-20).
Alguns do Sinédrio, vendo como muitos criam no Evangelho, se indagavam ao Senhor: "[...] Com que direito fazes isso? Quem te deu esta autoridade?" (Mt 21,23).
Encontramos aí a utilidade dos milagres do Senhor. Cristo fazia milagres para demonstrar a Sua Autoridade. Quando os fariseus se negavam em crer Nele, o Senhor lhes dizia "[...] Crede-o ao menos por causa destas obras" (Jo 14,11). Ver também Jo 10,25.37-38.
Os milagres do Senhor davam testemunho de Sua Autoridade. Por causa dela muitos creram e não por ser evidente a Verdade no que lhes era revelado. S. João Batista creu no Cristo por causa da Sua Autoridade:
"Tendo João, em sua prisão, ouvido falar das obras de Cristo, mandou-lhe dizer pelos seus discípulos: Sois vós aquele que deve vir, ou devemos esperar por outro? Respondeu-lhes Jesus: Ide e contai a João o que ouvistes e o que vistes: os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, o Evangelho é anunciado aos pobres..." (Mt 11,2-5) (grifos meus).
E não foi diferente com o povo, pois "Com efeito, ele a ensinava como quem tinha autoridade e não como os seus escribas" (Mt 7,29).
Foi o próprio Deus que Se fez presente no meio dos homens, revelando-lhes Sua Vontade, cuja Fé estes Lhe devem mediante o exercício de Sua Autoridade. Porém, sabendo que Cristo deveria pregar somente para os judeus (cf. Mt 15,24) e que deveria voltar para o Pai, quem exerceria Sua Autoridade para a manutenção da Fé dos homens do resto do mundo e dos futuros fiéis?
A Autoridade da Igreja
A resposta à pergunta anterior encontra-se no final do Evangelho de S. Mateus:
"Mas Jesus, aproximando-se [dos apóstolos], lhes disse: Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.Ensinai-as a observar tudo o que vos prescreviEis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28,18-20) (grifos meus).
Nosso Senhor pede aos apóstolos para que preguem o Evangelho. Ora, isto confirma mais uma vez que a Fé é um assentimento à Verdade Revelada e não uma experiência, um sentimento, como ensinava Lutero. Ora, se Cristo pede aos seus apóstolos que revelem o que Ele prescreveu, era preciso que eles o fizessem com a mesma autoridade Dele, caso contrário, o mundo não iria crer. Da mesma forma como um Vice-Presidente no exercício interino da Presidência (se o Presidente por razões de força maior não puder fazê-lo) tem o mesmo poder e autoridade do Presidente eleito, por razões de necessidade, também os Apóstolos foram investidos pelo Divino Mestre com Sua própria Autoridade.
A Escritura dá testemunho de que a Autoridade da Igreja deriva da autoridade do Divino Redentor: "Reunindo Jesus os doze apóstolos, deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios, e para curar enfermidades" (Lc 9,1) (grifos meus). Percebam que a Autoridade com que Cristo investiu Sua Igreja, não deriva da Escritura. Foi o próprio Cristo que a deu. A Igreja é tão anterior à Escritura que a Escritura fala da Igreja.
A Infabilidade da Igreja, cuja necessidade já demonstramos no início deste trabalho, é manifestada nas palavras do Cristo a S. Pedro: "E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16,18) (grifos meus).
A que instituição Nosso Senhor se refere de forma tão carinhosa como “minha Igreja?” Jesus se refere à Igreja fundada por Ele e edificada sob a autoridade de S. Pedro (cf. Mt 16,16-19) e dos apóstolos (cf. 1Cor 3,10; Gl 2,6; 1Ts 2,7; Fl 1,8). Essa Igreja possui uma só doutrina (Ef 4,4-5), é apascentada pela autoridade de S. Pedro (cf. Lc 22,31-32), guarda não só a Sagrada Escritura como autoridade de Fé, mas também a Sagrada Tradição (cf. 2Ts 2,15) e o Sagrado Magistério (cf. At 16,4), tem Fé de que a Eucaristia é verdadeiramente o Corpo e Sangue do Senhor (cf. Jo 6,5; 1Cor 11,29), venera a Mãe do Salvador (cf. Lc 1,48), crê que ela é Rainha no Céu (cf. Ap 12,1-5), seus Bispos são sucessores dos Apóstolos (cf. At 1,21-26), seus presbíteros são instituídos pelo Sacramento da Ordem (cf  1Tm 4,14) e observa o Santo Domingo do Senhor (At 20,7; 1Cor 16,2;Cl 2,16).
Todo espírito sincero após verificar o testemunho da Escritura e da Memória Cristã há de reconhecer que esta Igreja é a Igreja Católica com Sé em Roma.
Conclusão
Se a Fé nas Autoridades humanas que são suscetíveis às falhas, já nos traz grande benefício, o que dizer sobre a Fé na Autoridade da Igreja Infalível?
Por isso S. Paulo ensinou que o “justo viverá pela Fé” (cf. Rm 1,13). Mas que Fé? A Fé no Naturalismo, no Racionalismo, no Marxismo, no Agnosticismo e nas falsas religiões e igrejas? Esta Fé é inútil ao homem, é impossível salvar-se por ela. O justo, isto é, aquele que se fez amigo de Deus pelo arrependimento de seus pecados e pelo Batismo, este só se salvará se fizer assentimento à Verdade revelada pela Igreja Verdadeira.
É a Igreja fundada por Jesus a Autoridade querida por Deus para nos dar Sua Revelação e nos guiar até que Cristo venha. Por isso S. Paulo ensinou que “A Igreja é a Coluna e o Fundamento da Verdade” (cf. Tm 1Tm 3,15).
Foi a Fé na Revelação dada pela Igreja que possibilitou nações bárbaras se transformarem em verdadeiros Estados civilizados. Também foi ela quem afastou o perigo da heresia durante tantos séculos, possibilitando que a Verdade proclamada ontem chegasse a nós hoje.
Notas
(1) FRANCA, Pe. Leonel. A Psicologia da Fé e o Problema de Deus. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio/Edições Loyola, 2001.
(2) Dezinger, Enchridion symbolorum, Sessão III, c. III, 1789.

Por : Alessandro Lima
Texto extraído de veritatis esplendor.

Origem da Igreja Católica e do Papado.




           Há quem diga que o título de Católica só foi atribuído à Igreja pelo Concílio de Constantinopla I em 381 por decreto do Imperador Teodósio - alegação esta desmentida pelo fato mesmo de que já S. Inácio de Antioquia, nos primeiros anos do século II, falava de Igreja Católica. Quanto ao termo Papa, só foi aplicado ao Bispo de Roma no século V de maneira enfática; todavia a função de Pedro como chefe do colégio apostólico já está delineada nos escritos do Novo Testamento; no caso, o que importa não é o nome, mas o exercício da função.

O seguinte artigo de um jornal deixou vários leitores confusos. Daí então, vamos as respostas.

A ORIGEM DO VATICANO E DO PAPA: A Igreja recebeu o nome de "católica" somente no ano 381, no Concílio "Conctos Populos" dirigido pelo imperador romano Teodósio. Devido às alterações que fez, deixou de ser apostólica e não sabemos como pode ser romana e universal ao mesmo tempo. (Hist. Ecles., I pg. 47, Riva ux). Até o século V não houve "papa" como conhecemos hoje. Esse tratamento de ternura começou a ser aplicado a todos os bispos a partir do ano 304. (Cônego Salin, Ciência e Religião. Tom. 2 pg. 56).
O texto em foco contém várias imprecisões (para não dizer vários erros), como se evidenciará nas linhas seguintes.

1. Igreja Católica: desde quando?

A expressão "Igreja Católica" não tem origem no fim do século IV, mas encontra-se sob a pena de S. Inácio, Bispo de Antioquia (+107 aproximadamente), que nos primeiros anos do século II escrevia:"Onde quer que se apresente o Bispo, ali esteja também a comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus nos assegura a presença da Igreja Católica" (Aos Esmlrnenses 8,2).

A expressão "católica" parece designar, em primeira instância, a universalidade da Igreja (ela está em toda parte, e não somente nesta ou naquela comunidade). Todavia os intérpretes do texto julgam que algo mais está dito aí: S. Inácio terá tido em vista a Igreja autêntica, verdadeira, perfeita. Desde fins do século II se torna freqüente o sentido de universal, sem, porém, excluir o de autêntica, isto é, portadora de todos os meios de salvação instituídos por Cristo. Esta segunda acepção se tornava necessária pelo fato de haver correntes ou "igrejinhas" heréticas, separadas da Igreja grande, nos primeiros séculos (como até hoje as há).

O sentido de "autêntica" atribuído ao adjetivo "católica" encontra-se regularmente nos escritos dos primeiros séculos. A partir do século III, pode-se dizer que "católica" significa a verdadeira Igreja, esparsa pelo mundo ou também alguma comunidade local que esteja em comunhão com a Grande Igreja. Quanto à origem da palavra "católico", é preciso procurá-la no grego profano. Com efeito; para Aristóteles (+322 a.C.), "kath'holon" significa "segundo o conjunto, em geral"; o vocábulo é aplicado às proposições universais. O filósofo estóico Zenon (+262 a.C.) escreveu um tratado sobre os universais intitulado "katholiká"; são católicos os princípios universais. Políbio (+128 a.C.) falou da história universal em comum, dizendo-a "Tès katholikès kal koinès Historias". Para o judeu Filon de Alexandria (+44 d.C), "katholikós" significa "geral", em oposição a "particular"; os deuses astrais da Síria eram ditos "katholikoí". Tal vocábulo é, pela primeira vez (como dito), aplicado à Igreja por S. Inácio de Antioquia (+107 aproximadamente).

2. Que houve então em 381?

Em 381 realizou-se o Concílio Geral de Constantinopla, que repetiu a fórmula Igreja Católica, professando: "Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica". O Concílio nada inovou; apenas reiterou a fórmula antiga.

Põe-se então a pergunta: que dizer do mencionado decreto do Imperador Teodósio? Impõe-se notar logo que o decreto data de 380, e não de 381. Com efeito; sob Teodósio I (379-95), que reinou no Oriente do Império Romano, registraram-se acontecimentos importantes. Aos 28/02/380, o Imperador assinou um decreto que tornava oficial a fé católica "transmitida aos romanos pelo apóstolo Pedro, professada pelo Pontífice Dâmaso e pelo Bispo de Alexandria, ou seja, o reconhecimento da Santa Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Com estas palavras, Teodósio abraçava, para si e para o Império, o Credo que, proveniente dos Apóstolos, era professado então pelo Papa Dâmaso (366-84) e pelo Bispo S. Atanásio de Alexandria, grande defensor da fé ortodoxa na controvérsia contra os arianos. Assim o Cristianismo, que Constantino I tornara lícito em 313, era feito religião oficial do Império Romano.

"Não sabemos como a Igreja pode ser romana e universal". - O título "romana" não implica nacionalismo nem particularismo. É apenas o título que indica o endereço da sede primacial da Igreja. Na verdade, a Igreja, atuando neste mundo, precisa de ter seu endereço ou seu referencial postal, que é o do Bispo de Roma, feito Chefe visível por Cristo. Por conseguinte a Igreja Católica recebe o título de "Romana" sem prejuízo para a sua catolicidade ou universalidade. De modo semelhante, Jesus, Salvador de todos os homens, foi dito "Nazareno", porque, convivendo com os homens, precisava de um endereço, que foi a cidade de Nazaré.

3. Apostolicidade

Diz a notícia de jornal: "Devido às alterações que fez, a Igreja deixou de ser apostólica".

Em resposta, torna-se oportuno, antes do mais, examinar o que signifique o atributo "apostólica" aplicado à Igreja. Já no Novo Testamento se encontra a noção de que o patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do céu diretamente, mas, sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus Cristo, pelos Apóstolos e, finalmente, chega a cada indivíduo no seu respectivo tempo. Assim, por exemplo, Jo 1, 1-3: "O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida... nós vos anunciamos esta Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que vos apareceu". Cf. Jo 17, 7s; 20, 21; Mt 28, 18-20; Rm 10, 13-17; 2Tm 2, 2; Tt 1, 5.

Os primeiros escritores da Igreja retomaram e estenderam essa série de comunicações ou missões. Assim lemos em Tertuliano: "Sem dúvida, é preciso afirmar que as igrejas receberam dos Apóstolos; os Apóstolos receberam de Cristo, e Cristo recebeu de Deus" (De Praescriptione Haereticorum 21, 4). Os antigos davam grande apreço às listas de Bispos que houvessem ocupado uma sede outrora fundada ou governada por um Apóstolo. S. Ireneu de Lião (+202) é o autor de um desses catálogos: "Depois de ter assim fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados Apóstolos transmitiram a Lino o cargo do episcopado... Anacleto lhe sucede. Depois, em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, é a Clemente que cabe o episcopado... A Clemente sucedem Evaristo, Alexandre; em seguida, em sexto lugar a partir dos Apóstolos, é instituído Sixto, depois Telésforo, também glorioso por seu martírio; depois Higino, Pio, Aniceto, Sotero, sucessor de Aniceto; e, agora, Eleutério detém o episcopado em décimo segundo lugar a partir dos Apóstolos" (Contra as Heresias III,2,1s).

Com outras palavras: para os antigos, a Igreja é uma comunidade que teve início com os Apóstolos, mas está destinada a se prolongar até o fim dos tempos, de modo que Ela não é senão o desabrochamento do cerne dos Apóstolos. Vejam-se as palavras de Tertuliano (+220 aproximadamente): "Foi primeiramente na Judéia que eles (os Apóstolos escolhidos e enviados por Jesus Cristo) implantaram a fé em Jesus Cristo e estabeleceram comunidades. Depois partiram pelo mundo afora e anunciaram às nações a mesma doutrina e a mesma fé. Em cada cidade fundaram Igrejas, às quais, desde aquele momento, as outras Igrejas emprestam a estaca da fé e a semente da doutrina; aliás, diariamente emprestam-nas, para que se tornem elas mesmas Igrejas. A este título mesmo são consideradas comunidades apostólicas, na medida em que são filhas das Igrejas apostólicas. Cada coisa é necessariamente definida pela sua origem. Eis por que tais comunidades, por mais numerosas e densas que sejam, não são senão a primitiva Igreja apostólica, da qual todas procedem... Assim faz-se uma única tradição de um mesmo Mistério" (De Praescriptione Haereticorum 2, 4-7.9).

A necessidade de distinguir das correntes cismáticas a verdadeira Igreja de Cristo provocou a acentuação e a utilização mais e mais freqüente do predicado da apostolicidade: a Igreja verdadeira vem de Cristo mediante os Apóstolos, ao passo que as correntes heréticas e as seitas não podem reivindicar para si o título de apostólicas. A partir do século XII começaram a aparecer pequenos tratados sobre a Igreja Apostólica frente às seitas dissidentes. Aliás, foram as heresias que provocaram a publicação de tratados explícitos sobre a Igreja.

No século XVI a apologética católica, frente à reforma protestante, explanou largamente a origem apostólica da Igreja Católica. Os teólogos puseram em evidência que aqueles que se afastam da Igreja fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos, é que perdem o direito de constituir a Igreja Apostólica. Os reformados têm um fundador humano para cada uma de suas denominações, que pretende recomeçar a história do Cristianismo séculos após a geração dos Apóstolos, portanto sem o clássico caráter de apostolicidade.

Quanto às "alterações" na Igreja, não são mais do que o desabrochar da semente lançada por Cristo. A árvore plenamente desenvolvida é da mesma natureza que a própria semente, e vice-versa. Tal desabrochamento - lógico e necessário - foi acompanhado pelo Espírito Santo prometido por Jesus à Igreja (cf. Jo 14, 26; 16, 13-15) para que conserve e transmita incólume o depósito da fé. Caso o Senhor não tivesse providenciado essa garantia de fidelidade e autenticidade através dos séculos, teria sido vão o seu sacrifício na Cruz. É, pois, necessário dizer que na Igreja Apostólica (fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos) se mantém viva e pura a mensagem apregoada pelo Divino Mestre.

Ver "Carta Aberta aos Protestantes"

4. Origem do Papado

Lê-se no citado tópico de jornal: "Até o século V não houve Papa como conhecemos hoje" - A resposta a esta afirmação dependerá de como entender a expressão "Papa como conhecemos hoje". Se entendemos que se trata de Papa com uso dos meios de comunicação modernos (televisão, rádio, internet ...) e viagens aéreas, está claro que não houve Papa de tal tipo na Antigüidade. Todavia, se se entende Papa no sentido de chefe visível da Igreja, encontra-se tal figura já nos escritos do Novo Testamento. Com efeito; Pedro aí aparece como aquele a quem Jesus confia as chaves do reino dos céus (cf. Mt 16, 17-19) e entrega o pastoreio das suas ovelhas (cf. Lc 22, 31 s; Jo 21, 15-17). O aspecto bíblico da questão já foi repetidamente abordado [...]. Sejam acrescentados alguns traços significativos da história da Igreja.

Não se pode esperar encontrar nos primeiros séculos um exercício do Papado (ou das faculdades entregues por Jesus a Pedro e seus sucessores) tão nítido quanto nos séculos posteriores. As dificuldades de comunicação e transporte explicam que as expressões da função papal tenham sido menos freqüentes do que em épocas mais tardias. Como quer que seja, podemos tecer a história do exercício dessas funções nos seguintes termos: A Sé de Roma sempre teve consciência de que lhe tocava, em relação ao conjunto da Igreja, uma tarefa de solicitude, com o direito de intervir onde fosse necessário, para salvaguardar a fé e orientar a disciplina das comunidades. Tratava-se de ajuda, mas também, eventualmente, de intervenção jurídica, necessária para manter a unidade da Igreja. O fundamento dessa função eram os textos do Evangelho que privilegiam Pedro, como também o fato de que Pedro e Paulo haviam consagrado a Sé de Roma com o seu martírio, conferindo a esta uma autoridade singular.

Eis algumas expressões do primado do Bispo de Roma:

  • No século II houve, entre Ocidentais e Orientais, divergências quanto à data de celebração da Páscoa. Os cristãos da Ásia Menor queriam seguir o calendário judaico, celebrando-a na noite de 14 para 15 de Nisã (daí serem chamados quartordecimanos), independentemente do dia da semana, ao passo que os Ocidentais queriam manter o domingo como dia da Ressurreição de Jesus (portanto, o domingo seguinte a 14 de Nisã); o Bispo S. Policarpo de Esmirna foi a Roma defender a causa dos Orientais junto ao Papa Aniceto em 154; quase houve cisão da Igreja. S. Ireneu, Bispo de Lião (Gália) interveio, apaziguando os ânimos. Finalmente o Papa S. Vítor (189-198) exigiu que os fiéis da Ásia Menor observassem o calendário pascal da Igreja de Roma, pois esta remontava aos Apóstolos Pedro e Paulo.

    Aliás, S. Ireneu (+202 aproximadamente) dizia a respeito de Roma: "Com tal Igreja, por causa da sua peculiar preeminência, deve estar de acordo toda Igreja, porque nela... foi conservado o que a partir dos Apóstolos é tradição" (Contra as Heresias 3, 2). Muito significativa é a profissão de fé dos Bispos Máximo, Urbano e outros do Norte da África que aderiram ao cisma de Novaciano, rigorista, mas posteriormente resolveram voltar à comunhão da Igreja sob o Papa S. Cornélio em 251: "Sabemos que Cornélio é Bispo da Santíssima Igreja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Senhor. Confessamos o nosso erro... Todavia nosso coração sempre esteve na Igreja; não ignoramos que há um só Deus e Senhor todo-poderoso, também sabemos que Cristo é o Senhor...; há um só Espírito Santo; por isto deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica" (Denzinger-Schõnmetzer, Enchiridion 108 [44]).
  • O Papa Estevão I (254-257) foi o primeiro a recorrer a Mt 16, 16-19, ao afirmar contra os teólogos do Norte da África, que não se deve repetir o Batismo ministrado por hereges, pois não são os homens que batizam, mas é Cristo que batiza. A partir do século IV, o recurso a Mt 16, 16-19 se torna freqüente. No século V, o Papa Inocêncio I (401-417) interveio na controvérsia movida por Pelágio a respeito da graça; num de seus sermões S. Agostinho respondeu ao fato, dizendo: "Agora que vieram disposições da Sé Apostólica, o litígio está terminado (causa finita est)" (serm. 130, 107).

    No Concílio de Calcedônia (451), lida a carta do Papa Leão I, a assembléia exclamou: "Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apóstolos. Pedro falou através de Leão".
  • O Papa Gelásio I declarou entre 493 e 495 que a Sé de Pedro (romana) tinha o direito de julgamento sobre todas as outras sedes episcopais, ao passo que ela mesma não está sujeita a algum julgamento humano. Em 501, o Synodus Palmaris de Roma reafirmou este princípio, que entrou no Código de Direito Canônico: "Prima sedes a nemine iudicatur, - A sé primacial não pode ser julgada por instância alguma" (cânon 1629). Em suma, quanto mais o estudioso avança no decurso da história da Igreja, mais nitidamente percebe a configuração do primado de Pedro, ocasionada pelas diversas situações que o povo de Deus foi atravessando.
No tocante ao termo "Papa" deve-se dizer que vem do grego "pappas" = "pai". Nos primeiros séculos era título atribuído aos Bispos como expressão de afetuosa veneração, veneração que se depreende dos adjetivos "meu..., nosso..." que acompanham o título. A mesma designação podia ser ocasionalmente atribuída também aos simples presbíteros (pais), como acontecia no Egito do século IV. No Oriente ainda hoje o sacerdote é chamado "papas". No Egito o "papas" por excelência é o Patriarca de Alexandria.

O título de papa é dado ao Bispo de Roma já por Tertuliano (+220 aproximadamente) no seu livro De pudicitia XIII 7, onde se lê: "Benedictus papa". É encontrado também numa inscrição do diácono Severo (296-304) achada nas catacumbas de São Calixto, em que se lê: "iussu p(a)p(ae) sul Marcellini" (="por ordem do Papa ou pai Marcelino"). No fim do século IV a palavra Papa aplicada ao Bispo de Roma começa a exprimir mais do que afetuosa veneração; tende a tornar-se um título específico. Tenha-se em vista a interpelação colocada por S. Ambrósio (+397) numa de suas cartas: "Domino dilectissimo fratri Syriaci papae" (="Ao senhor diletíssimo irmão Siríaco Papa") (epístola 42). O Sínodo de Toledo (Espanha) em 400 chama Papa (sem mais) o Bispo de Roma. São Vicente de Lerins (falecido antes de 450) cita vários Bispos, mas somente aos Bispos Celestino I e Sixto III atribui o título de Papa.

No século VI o título tornou-se, com raras exceções, privativo dos Bispos de Roma.




D. Estêvão Bettencourt, OSB
Extraído do Site Veritatis esplendor

Quando é que tal uso foi introduzido na Igreja?


Em síntese: muitos protestantes imaginam que as diversas expressões do culto e da vida da Igreja foram introduzidas por decretos papais que arbitrariamente resolveram implantar um novo costume alheio à Bíblia. - Só pensa assim quem não conhece a história e a verdadeira índole da Igreja; Esta é comparável a um grão de mostarda, que aos poucos, sob a assistência do Espírito Santo, vai desabrochando ou manifestando as riquezas de sua vitalidade (cf. Mt 13, 31s). O uso de água benta, altares e velas, além de ter seu fundamento bíblico, possui seu significado simbólico e catequético. O celibato do clero está baseado em 1Cor 7, 25-35, texto que os protestantes não costumam citar. A prece da Ave-Maria retoma, em sua primeira parte, textos bíblicos. Deve-se outrossim notar que a Bíblia não é a única fonte de fé para os católicos; a fonte de fé é a Palavra de Deus, que , principalmente, foi apregoada por via oral apenas e só depois foi escrita, originando o Novo Testamento. Donde se vê que é a Palavra oral, vivida na Igreja, que interpreta a escrita. A Igreja é anterior ao Novo Testamento, do qual é a matriz; portanto é a Igreja que abona a Bíblia, e não é a Bíblia que abona a Igreja.
* * *
Não poucas vezes os católicos são interpelados por panfletos protestantes que lhes propõem interrogações e objeções. A linguagem e o conteúdo desses impressos são de baixo nível: trazem erros de portugu6es, de história, de interpretação bíblica, etc.; recorrem à ironia (Diz-se que a ironia é a arma dos fracos. Faz caricaturas para poder atacar os fantasmas que ela cria); copiam e recopiam as suas alegações levianamente, sem controlar o que afirmam ou sem conhecimento de causa. Mas em alguns casos encontram o fiel católico despreparado para responder. Eis porque vamos agora considerar alguns pontos lançados por tais folhetos à consideração do leitor.
1. OBSERVAÇÃO GERAL
Quem lê tais panfletos, tem a impressão de que a S. Igreja move os seus fiéis como que a toques de decretos, determinando que, de certa data em diante, será preciso crer ou praticar isso ou aquilo... Ora, tal impressão não corresponde à realidade: o que a Igreja declara, através do seu magistério oficial, não é senão a expressão da consciência que os fiéis, em seu senso comum, possuem a respeito deste ou daquele ponto de doutrina ou de disciplina. Antes de serem proferidas de maneira solene pela autoridade da Igreja, tais verdades ou práticas já fazem parte da vida dos cristãos. O magistério apenas as explicita; assim dissipa os perigos de mistura com o erro. É isto, aliás, que se dá em todo organismo vivo: a vida real, vivida, é anterior às fórmulas ou definições (com efeito; primeiramente vivemos, respiramos..., depois definimos o que é viver, respirar, caminhar. Assim o povo de Deus, movido pelo Espírito Santo, no decorrer dos séculos, professou tais e tais proposições, seguiu tais e tais costumes. Em conseqüência, o magistério da Igreja, assistido pelo mesmo Espírito Santo, quis oportunamente apoiar com a sua autoridade dirimente essas expressões autênticas da vida).
2. ORIGEM DA DESIGNAÇÃO "PROTESTANTE"
Conforme um dos panfletos mencionados, a palavra "protestante" vem do protesto que o Apóstolo Pedro fez, quando lhe queriam negar o direito de pregar o Cristianismo em Jerusalém, conforme At 4, 17-20; 5, 27. Em conseqüência os protestantes seriam "mais antigos" do que os católicos.
- Na verdade, o protestantismo com suas doutrinas características ("somente a Bíblia", "somente a fé", "somente a graça") começa com Lutero, que em 1517 lançou seu primeiro brado contra a Igreja Católica. Antes do século XVI não se falava de "protestantismo".
Mais precisamente: o termo "protestantismo" teve origem nos seguintes fatos: depois que Lutero iniciou suas críticas à Igreja Católica, o movimento reformista foi-se alastrando na Alemanha. Diante do fato, o Parlamento alemão reuniu-se me Espira no ano de 1529 e determinou que se estancasse o movimento inovador até a realização de um Concílio Ecumênico, que julgaria a problemática religiosa. Isto significa que nos Estados Católicos a propagação do luteranismo seria detida; quanto aos Estados que já aderiram à Reforma, esta seria tolerada contanto que os luteranos não pregassem contra a S. Eucaristia e permitissem aos católicos a celebração da S. Missa. Frente a esta resolução (que correspondia a um decreto anterior chamado "Edito de Worms"), seis príncipes protestantes, entre os quais João da Saxônia e Felipe de Hesse, e quatorze cidades da Alemanha levantaram seus protestos veementes; não queriam aceitar que a S. Missa continuasse a ser celebrada em territórios protestantes nem entendiam que os pregadores protestantes deixassem de pregar contra a S. Eucaristia. Ora, foi precisamente a partir desta ocasião (19/04/1529) que os seguidores da Reforma foram chamados "protestantes".
3. O SINAL DA CRUZ
Lê-se em panfletos protestantes que o sinal da Cruz foi instituído em 300 d.C.
Ora, quem pesquisa a literatura cristã anterior a 300, verifica, por exemplo, que o escritor Tertuliano (falecido pouco antes de 220) atesta o amplo uso do sinal da Cruz por parte dos cristãos nas mais variadas situações da vida:
"Quando nos pomos a caminhar, quando saímos e entramos, quando nos vestimos, quando nos lavamos, quando iniciamos as refeições, quando nos vamos deitar, quando nos sentamos, nessas ocasiões e em todas as nossas demais atividades, persignamo-nos a testa com o sinal da cruz" (De corona militis 3).
Diz ainda Hipólito de Roma (+ 235/6), descrevendo as práticas dos cristãos do século III:
"Marcai com respeito as vossas cabeças com o sinal da Cruz. Este sinal da Paixão opõe-se ao diabo e protege contra o diabo, se é feito com fé, não por ostentação, mas em virtude da convicção de que é um escudo protetor. É um sinal como outrora foi o Cordeiro Verdadeiro; ao fazer o sinal da Cruz na fronte e sobre os olhos, rechaçamos aquele que nos espreita para nos condenar" (Tradição dos Apóstolos 42).
Estes testemunhos dão a ver que o sinal da Cruz já no início do século III estava muito difundido entre os cristãos, de tal modo que suas origens se identificam com as dos primórdios do Cristianismo.
4. ÁGUA BENTA
Segundo alguns impressos protestantes, a "fabricação" da água benta terá sido instituída no ano 1000:
- Deve-se dizer que o uso da água benta na Igreja se prende ao uso da água batismal. Sim; o elemento natural "água" tendo sido escolhido por Jesus para comunicar a regeneração e a vida eterna, os cristãos julgaram oportuno renovar o seu compromisso batismal usando água sob forma de sacramental ( o Batismo é um sacramento; a água benta é um sacramental) - sacramental é um objeto sobre o qual a Igreja reza, pedindo a Deus sejam recobertos de graças e bênçãos todos aqueles que os utilizarem. Por conseguinte, o sinal d cruz com água benta e a aspersão da água benta foram tidos como canais que continuam a derramar as graças da Redenção sobre pessoas e objetos atingidos por essa água.
Entende-se, pois, que o uso da água benta não teve origem no ano 1000, mas, sim, nos primórdios da Igreja, em íntima conexão com o Batismo. É difícil dizer donde os protestantes tiraram tão singular notícia.
5. ALTARES E VELAS
Há também quem afirme: "Em 370. Principia o uso dos altares e velas pelo fim do século III".
A notícia é incoerente, pois o ano de 370 não pertence ao século III, mas ao século IV. Além disso, é de notar que o uso de altares e velas começou nos tempos do Antigo Testamento. Assim quanto aos altares:
Gn 12,7: "Abraão construiu em Siquém um altar a Javé, que lhe aparecera". Ver Gn 13, 18; 22, 9.
Ex 17,15: "Moisés construiu um altar e pôs-Ihe este nome: Javé - Nissi (Javé é minha bandeira)". Ver Ex 27,1; 29,13.
Nm 7,1: "No dia em que Moisés acabou de erigir a Habitação, ele ungiu e a consagrou com todos os seus pertences, bem como o altar com todos os seus utensílios".
Mt 5,23s: Diz Jesus: "Se estiveres para levar tua oferta ao altar e ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa tua oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te".
Hb 13,10: "Temos um altar do qual não se podem alimentar os que servem a tenda". Ver também Ap 6,9; 9,13 (menção de altares no céu).
A respeito de velas:
Ex 25, 31.37: "Farás um candelabro de ouro puro... Far-lhe-ás também sete lâmpadas. As lâmpadas serão elevadas de tal modo que alumiem defronte dele".
Mt 5, 15: O Senhor se referere à luz que brilha sobre um candeleiro.
Ap 1, 13; 2, 1: Cristo aparece entre candelabros.
6. TRANSUBSTANCIAÇÃO E MISSA
O estudo do Novo Testamento demonstra que Jesus instituiu a Eucaristia como perpetuação do seu sacrifício (Ver a propósito Curso de Diálogo Ecumênico, Módulos 13, 13 e 14. Escola "Mater Ecclesiae"). Nesse sacramento temos a real presença do Senhor Jesus sob as aparências do pão e do vinho. Eis, porém, o que se lê num panfleto:
"Em 818. Aparece pela primeira vez nos escritos de Pascásio Radberto a doutrina da transubstanciação e a Missa".
A propósito observamos: o que houve no século IX, foi a controvérsia entre Ratramno e Pascásio Radberto. Contradizendo à Escritura e à Tradição. Ratramno negava a real conversão do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo. Pascásio escreveu então o "Liber de Corpore et Sanguine Domini" (Livro do Corpo e do Sangue do Senhor), cuja segunda edição saiu em 844; opunha-se a Ratramno, defendendo a identidade do Corpo Eucaristico com o Corpo histórico de Jesus, ou seja, defendendo a real presença. Assim procedendo, Pascásio nada inovava.
O vocábulo "transubstanciação", que designa essa conversão. aparece pela primeira vez no século XI (quase três séculos após Pascásio Radberto) e foi assumido nos documentos oficiais da Igreja a partir do Concílio de LatrãoIV (1215). O primeiro a usá-lo parece ter sido o jurista Ronaldo Bandinelli (depois, Papa Alexandre III + 1181) na frase: "Verumtamen si, necessitate iminente, sub alterius panis specie consecratur, profecto fieret transubstantiatio" - o que quer dizer: "Mas, se em caso de necessidade iminente, se fizesse a consagração de outro pão, haveria transubstanciação". Por conseguinte, não foi Pascásio Radberto quem introduziu o vocábulo na linguagem teológica.
Em 818 (data indicada pelo panfleto) Pascásio Radberto, nascido em 790, tinha 28 anos - idade que não corresponde à de sua controvérsia teológica (que se deu a partir de 840).
O nome "Missa" não se deve a Pascásio Radberto. É uma palavra latina equivalente a missio(missão ou envio); significava a despedida ou o envio dos catecúmenos para fora da igreja, quando terminava a homilia ou a liturgia da Palavra. Aos catecúmenos não era permitido participar da Eucaristia propriamente dita, pois ainda não haviam sido batizados. O nome Missa, que designava tal momento da liturgia, foi no século IV aplicado a todo o rito eucarístico, de modo que este hoje se chama Missa. O primeiro a usar a palavra Missa no sentido atual foi provavelmente S. Ambrósio (+ 397) na epístola 20,4. S. Agostinho (+ 430) escrevia: "Eis que após o sermão se faz a missa (= despedida) dos catecúmenos; ficarão apenas os fiéis batizados" (serm. 49,8).
7. O CELIBATO DO CLERO
Há quem chegue a dizer que o celibato do clero foi instituído em 1879!
- A praxe do celibato sacerdotal tem suas raízes em 1Cor 7, 32-34, texto em que São Paulo afirmava ser a vida celibatária um estado em que mais facilmente se pode servir ao Senhor, sem divisões e sem solicitudes supérfluas. Em 1Tm 3,2 o Apóstolo recomenda que o ministro de Deus "seja marido de uma só esposa"; com isto São Paulo queria inculcar que no século I da nossa era, quando as comunidades cristãs constavam de muitos casados e adultos recém-convertidos, não se escolhesse para o ministério algum homem casado em segundas núpcias; estas, com efeito, eram geralmente desaconselhadas pela Igreja antiga por parecerem uma expressão de incontin6encia.
Vê-se, pois, que desde os tempos apostólicos a vida una era recomendada e praticada pelos ministros do Senhor (tenhamos em vista, por exemplo, o caso de São Paulo e o do próprio Cristo).
No Ocidente a primeira legislação restritiva ao casamento de clérigos se deve ao Concílio de Elvira (Espanha) por volta do ano 300; proibia aos Bispos, sacerdotes e diáconos, sob pena de degradação, o uso do matrimônio e o desejo de ter prole (cânon 33). Esta determinação, que era regional, em menos de um século estava em vigor (às vezes sob forma de conselho apenas) em todo o Ocidente. A fórmula definitiva de tal disciplina foi promulgada pelo Concílio Ecumênico de Latrão I em 1123: a todos os clérigos, a partir do subdiaconato, foi prescrito o celibato; em conseqüência, o matrimônio contraído por algum eclesiástico depois da respectiva ordenação era tido como inválido. O Concílio de Trento (1545-1563) reafirmou tal determinação.
Isto bem mostra quão inexata é a notícia atrás citada.
8. A RECITAÇÃO DA "AVE-MARIA"
Lê-se num panfleto protestante: "Em 1317, João XXII ordena a reza da 'Ave-Maria'"
Algumas confusões estão subjacentes a esta afirmação, como se verá a seguir. A primeira parte da 'Ave-Maria' tem sua origem no próprio texto bíblico, onde se lêem as palavras do arcanjo Gabriel: "Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo; és bendita entre as mulheres""(Lc 1,28) e as de Elisabete: "E bendito é o fruto do teu ventre" (Lc 1,42). Vê-se, pois, que é a oração mais nobre do Novo Testamento após o Pai Nosso, que nos é ensinado pelo próprio Cristo.
Os primeiros testemunhos que demonstram o uso de tal fórmula na piedade cristã, datam dos séculos IV/V: trata-se de duas conchas ou placas de argila (ostraka) encontradas no Egito e portadoras do texto grego da 'Ave-Maria' (primeira parte). Também as fórmulas litúrgicas (ou as Liturgias) atribuídas a S. Tiago, S. Marcos e S. Basílio dão testemunhos do uso de tal prece nos séculos IV/V.
Em latim a saudação angélica ocorre na Liturgia do IV domingo do Advento, que data dos tempos de S. Gregório Magno (+ 604). No fim do século XII aparecem as primeiras prescrições relativas à recitação da "Ave-Maria" na Liturgia das Horas e na devoção popular.
A segunda parte de tal oração ("Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós...") aparece em uso num Breviário (Liturgia das Horas) dos séculos XIV/XV; foi a partir de então que se tornou habitual na devoção dos fiéis.
O que se atribui ao Papa João XXII não é a ordem de rezar a "Ave-Maria", mas a recomendação de se reverenciar a Encarnação do Verbo de Deus mediante a recitação do "Pai Nosso" e da "Ave-Maria" ao toque do sino, no fim do dia. Tal recomendação data de 1327 e não de 1317, como afirma o folheto em pauta.
9. CONCLUSÃO
Infelizmente, o protestantismo tem atacado a Igreja em termos que não raro são mentirosos e passionais. Não é assim que se promove a causa de Cristo, que disse: "Eu sou.. a Verdade e a Vida" (Jo 14,16). Infelizmente, porém, a mentira cala sempre no ânimo do grande público, como dizia Voltaire: "Menti, menti, porque sempre fica alguma coisa!"
Houve realmente inovações na vida da Igreja através dos séculos, mas todos de caráter acidental, sem afetar a integridade da fé. Era natural e necessário que ocorressem, pois a Igreja é um corpo vivo, animado pelo Espírito Santo, que do seu tesouro de vitalidade sabe tirar "coisas novas e velhas" (Mt 13,52); uma Igreja que hoje se apresentasse com a face exterior que tinha no século I, seria uma "múmia" e não uma sociedade viva; novos tempos exigem novas respostas da parte de Cristos, que vive na Igreja. O próprio Jesus no Evangelho assemelhou a sua Igreja à semente de mostarda que, de pequenina, se torna enorme árvore, desdobrando e expandindo as suas virtualidades no decorrer dos tempos.
Fonte: Revista "Pergunte e Responderemos" Janeiro de 1996.

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | Best Web Hosting